o ambiente é sem sal, sem som adocicado, opaco. todos comunicam o não-verbal fluente. quando um dos seres presentes arrisca uma sentença audível é ouvido com clareza. milagre. os olhares são de mesmice, os assuntos são de mesmice. mesmice de ontem, de agora e sempre. mesmice do futebol, da vida e do ser. o ar cheira falta de propósito, talvez, culpa da sensível ausência de luz. a alegria é de fachada, alegria de nada. o jogo começa como num disco riscado, sempre os mesmos tolos comentários. a sala no domingo é o cenário do óbvio necessário tantas vezes repetido.
no quarto ao lado uma luz. sons agudos emaranhados com açúcar. verbal que transcende decibéis e transtorna informações. transtorna tudo. excesso de informação incontável compilada por segundo. os sorrisos são tão diferentes neste quarto. escondem falsidade em elogios trocados. o cabelo, a viagem, receita, maquiagem, liquidação, moço bonito que vira assunto. filho teimoso, marido esquecido, namorado falido, estranho universo o desse cômodo.
na sala ao lado um quase gol. o jogo segue.
do quarto onde a luz emana é esquisito. desde a pele até o cerne é tudo tão bonito. enquanto os da sala são feitos de olhos, os seres de cá são feitos de ouvido e quem descobre isso, logo é feliz. são seres tão diferentes entre si, de si e de tudo. carregam no d.n.a a carência do abraço. não do físico, irrelevante. mas do sentido, daquele feito de ouvido, de verdade, fabricado de atenção, escondido num silêncio sábio e oportuno de quem entende quando há falta de brilho.
não há guerra entre eles, a não ser que luz resolva invadir a sala. mas não. certos seres não entendem e nunca entenderão o prazer do repetido. o jogo apenas segue.
ainda no mesmo quarto, forrado com a mesma luz, os seres se tocam. se abraçam sem nexo, registram tudo em mente e em foto. vivem de pose, de aceitação. vivem de luta, aprovação constante. alguns deles chegam sempre tarde na casa onde vivem, cuidam de si, do mundo e do resto. têm obrigação de sorriso e cheiro de limpo. para isso, produtos. produtos, produtos, produtos pra tudo, até para o necessário. compram e variam o mesmo tudo, até o necessário. são seres singulares que não aceitam a divisão sem justificativa plausível. possuem a síndrome da exclusividade crônica. mas quem disse que é doença?
na sala ao lado, empate. nem de um, nem de outro lado.
os de luz, quando mexem no cabelo têm poder. no fundo são sempre os que tem a última palavra. ocultam a sensibilidade em cara fechada, fachada, tudo fachada. lá dentro são de manteiga, por fora, sensíveis como paçoca, e ai de quem não entende a dor do farelo derretido. complexos e necessários, multi-curiosos, nada hábeis no espaço, são resumo do melhor que a vida tem.
não rotina e não limite, apenas luz.
de repente, o quarto se divide, a luz se espalha. na sala ao lado, o ambiente era sem sal, sem som adocicado, opaco…
se mulher é feita de luz não posso afirmar, ainda não tenho a minha, mas já a amo mesmo desconhecida, pois aprendi na vida a tristeza da escuridão.
“mulher virtuosa quem a achará? o seu valor muito excede ao de rubis.” > provérbios 31.10
feliz dia da mulher!
Postado pelo Pr. Felipe Tonasso